quarta-feira, fevereiro 27, 2008

Pedaços de papel...



... com Graça Pires

Ortografia do olhar

Os barcos aproximam-se do quotidiano,
pelos atalhos da luz, no corpo da tarde.
Ao mesmo tempo, de cidade em cidade,
uma inquietante treva incendeia, noite adentro,
o ruído mitológico das maresias de outono.
Um navegante, sem bússola,
enforca-se no cais dos percursos para sul,
como se rastejasse a paisagem dos sonhos,
pelo lado mais escarpado da alma.
Ritual de sangue inadiável.
Rotas afogadas nas pálpebras.
Quilha de silêncio onde ficamos exilados e cúmplices,
reassumindo não sei que espanto,
enconchando o coração para nele caber
o estremecimento intacto de um rio.
A brisa, de feição, justificará o lentíssimo
tumulto dos remos junto à foz.

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

"We Have Kaos in te Garden"

«Os professores voltaram ontem a sair à rua em protesto com as políticas de Maria de Lurdes Rodrigues. No Porto, na Praça General Humberto Delgado, estiveram cerca de 400 professores que, empunhando lenços brancos, pediram a demissão da ministra da Educação."

Chega de humilhação, com esta ministra não", foi a palavra de ordem mais ouvida. A manifestação foi convocada por sms, e-mails e blogues. Nenhuma estrutura sindical esteve oficialmente ligada ao protesto, que surgiu de forma espontânea. Por isso, a PSP identificou alguns dos professores que participaram na manifestação, o que gerou descontentamento junto dos manifestantes. Fonte da PSP do Porto explicou que "o procedimento foi normal". Como não foi pedida autorização ao governo civil, os agentes "identificaram pessoas que seriam os organizadores" para fazer um relatório a enviar ao Governo Civil. "Tudo normal, sem quaisquer incidentes", disse a fonte.»É a lei, dizem. Claro que é a lei, também as Bolas de Berlim e as colheres de pau são a lei. Que se cumpra a lei, pura e dura, que se condenem “exemplementarmente” (implementar de forma exemplar), e se penalizem os autores de tão horrendos crimes. Já se sabia que assim seria, os documentos de Bilderberg preconizam-no. Mas neste caso, como já tinha acontecido em Guimarães, ou na pena de 75 dias a João Serpa, sindicalista, por se ter manifestado junto da empresa onde trabalhava por existirem graves problemas de salários em atraso, o que se procura é calar o som dos protestos, um som que o descontentamento generalizado pode amplificar. Um perigo que tentam evitar e que por isso nós devemos potenciar. Eles receiam as consequências, nós temos de estar decididos a assustá-los ainda mais. Claro que quanto mais acossados se sentirem, mais violentamente vão reagir. Quase que aposto que se estas manifestações continuarem e aumentarem de volume, vamos ver acontecer, surgirem do nada, uns actos mais violentos, uma montra partida, um caixote a arder, uma pedra atirada, e a policia “vai ter de” carregar sobre os manifestantes e fazer uma ou duas detenções. Quando não há motivo, cria-se o motivo, já o vi acontecer e vou certamente ver de novo. A livre manifestação, o direito à indignação, ao protesto, são formas de cidadania, de participação popular, de democracia e de celebração da liberdade. São direitos que não podemos deixar que nos tirem e por isso temos de lutar por eles sempre que seja necessário. Não podemos ceder ao medo que nos querem criar, nem à preguiça da “abovinada” vida quotidiana que nos oferecem, nem à hipnótica televisão. Há gente a sair para a rua em defesa daquilo que considera ser justo. Há muito que todos nós já lá devíamos andar porque razões não nos faltam. Está na hora deste povo acordar, e todos nós somos parte desse povo.

terça-feira, fevereiro 19, 2008

Medos...

fecho os olhos.
vejo luzes de cidades distantes.
a noite distante.
vejo o brilho de um sonho tão impossivel.
a escuridão é absoluta.
a escuridão é infinita.
todos os cegos sabem que a escuridão é a morte.
fecho os olhos.
vejo aquilo que se vê com os
olhos fechados.

"José Luis Peixoto, in A Casa A Escuridão "

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

"El capitalismo foraneo"

domingo, fevereiro 17, 2008

Pedaços de sentimentos...

distrito de manatuto, east timor, 2007
(photo taken by carlos santos)


Linhas cruzadas

"Por estranho e irónico que pareça, o pedido de desculpas é também uma típica atitude "branca" e ocidental, que não conhece paralelo noutras civilizações, a que não é alheia uma tradição humanista, que se poderia saudar se não contivesse elementos perigosos para os próprios valores que a sustentam. O "multiculturalismo", com o seu forte relativismo cultural, é cada vez mais difícil de compatibilizar com o adquirido civilizacional ocidental. Os valores que consideramos universais, em particular os direitos humanos, são postos em causa pelo relativismo "multicultural", que tende a desvalorizar a universalidade desses conceitos e a substituí-los por "interpretações" culturais que os põem em causa. As declarações do arcebispo de Cantuária sobre a aceitabilidade da sharia são um exemplo do caminho a que o "multiculturalismo" leva e, se tomarmos à letra o significado profundo destes pedidos de perdão pela História, ainda acabamos por dar razão à Al-Qaeda, que nos considera como "cruzados", logo um alvo a abater pelo novo Saladino. E porque não, se nos consideramos culpados de tudo o que aconteceu na História desde que somos o que somos? Há certas ideias que funcionam como o boomerang, a gente atira-as convencidos das nossas melhores intenções e elas voltam para nos bater na cabeça."

por cortesia do josé pacheco pereira in "Abrupto"

sábado, fevereiro 16, 2008



... com Seu Jorge

Trabalhador

Está na luta, no corre-corre, no dia-a-dia
Marmita é fria mas se precisa ir trabalhar
Essa rotina em toda firma começa às sete da manhã
Patrão reclama e manda embora quem atrasar

Trabalhador
Trabalhador brasileiro
Dentista, frentista, polícia, bombeiro
Trabalhador brasileiro
Tem gari por aí que é formado engenheiro
Trabalhador
Trabalhador

E sem dinheiro vai dar um jeito
Vai pro serviço
É compromisso, vai ter problema se ele faltar
Salário é pouco, não dá pra nada
Desempregado também não dá
E desse jeito a vida segue sem melhorar

Trabalhador
Trabalhador brasileiro
Garçom, garçonete, jurista, pedreiro
Trabalhador brasileiro
Trabalha igual burro e não ganha dinheiro
Trabalhador brasileiro
Trabalhador

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Queremos Paz (Gotan Project)

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Linhas cruzadas

"Já agora depois de pedir perdão aos aborígenes, "our fellow australians", só falta perguntar-lhes se eles querem ser australianos. Dado o tom do pedido de perdão, tem todo o sentido pôr em causa a colonização branca da Austrália. Nunca lhes foi pedida autorização, nem licença, pelo uso das terras, não é? O país era deles há 25000 anos, os brancos são na verdade guest workers, ainda por cima indesejados porque vinham degradados, fugidos, presos. Isto de pedir desculpas pela história não tem pés nem cabeça, porque os pedidos de desculpa acabam por ser sempre selectivos. Nós, por exemplo, já pedimos desculpa por expulsar os judeus e ainda não pedimos desculpa por expulsar os árabes. Pode ser que o Bin Laden nos obrigue."

por cortesia do "Abrupto"

A vida acontece...

Um feliz dia de namorados para este casal....




Ana Cristina Pereira, 40 anos, não podia esperar maior prova de amor do marido, José Pereira, do que aquela que recebeu na véspera do dia de S. Valentim, que hoje se celebra.



A dádiva é um rim que lhe permite deixar de fazer diálise peritonial e levar uma vida perfeitamente normal. Este transplante foi possível pois a lei mudou e agora permite que os cônjuges e outras pessoas não parentes sejam dadores de órgãos em vida.A professora de Matemática, com 40 anos e residente em Azeitão, na península de Setúbal, não deixou de fazer a sua vida normal apesar de sofrer de insuficiência renal, mas tinha grandes limitações em termos de qualidade de vida. Todas as noites, sem excepção, Ana Cristina Pereira ligava-se a uma máquina para, através de um cateter inserido na barriga, fazer diálise peritonial. Pelo cateter entravam os líquidos e esse tratamento durava toda a noite. A máquina era desligada pela manhã.Esta insuficiente renal fazia a diálise peritonial de forma autónoma, sem precisar ir a uma clínica, desde há dois anos. Há um ano entrou em lista de espera para um transplante e foi com felicidade que viu a nova legislação permitir que o seu marido lhe desse um rim.Dadores vivos são melhoresO médico nefrologista Domingos Machado, que acompanhou clinicamente Ana Cristina Pereira no Hospital de Santa Cruz, em Carnaxide, onde o transplante de rim decorreu ontem, manifestou ao CM satisfação por a nova lei permitir a doação de órgãos em vida de pessoas não parentes. “Os rins de um dador vivo têm mais qualidade do que os de um dador cadáver.”O facto de o dador ser saudável é importante para o êxito do transplante. José Pereira, o marido de Ana Cristina Pereira, pratica desporto: faz mergulho e corre. A compatibilidade sanguínea é outro requisito indispensável para o transplante.Domingos Machado espera que no futuro mais pessoas sejam dadoras de órgãos, “porque tem havido falta de informação por parte de potenciais dadores”.

"in correio da manhã"

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

Mensagem

"Tudo o que é construído no mundo, é construído pela esperança."

Matin Luther King

terça-feira, fevereiro 12, 2008

Citações...

Um excelente post do Miguel do "Fantástico Melga"...
" Havia na minha rua um sapateiro-remendão que passava os dias no paleio com quem passava à porta da oficina, enquanto apertava sapatos, remendava solas e puxava o lustro às botas da Senhora Ermelinda e às das amigas da Senhora Ermelinda. Chamávamos-lhe Ti Zé. Os velhotes da minha rua que tinham profissões como ele eram todos Ti Qualquer Coisa. Para nós, putos de escola primária, todas as pessoas com mais de 20 anos eram naturalmente velhotes. Havia o padeiro, o ferreiro, o mecânico de bicicletas, o merceeiro, o vendedor de panos. O Ti Zé era divertido, esperto como um alho, saía-se sempre com uma anedota oportuna. E sabia tantas e tão coloridas. E era malicioso. Adorava desafiar o pudor dos rapazes que se iniciavam “naquilo” como podiam, à socapa de uma moral que, no fim de contas, era mais tolerante do que parecia. Lembro-me de um jogo de cartas com mulheres quase nuas que fazia as nossas delícias. Por essas e por outras a oficina do Ti Zé era mais do que um sítio onde se reparava calçado. Era uma espécie de templo do pecado, o máximo da transgressão a que tinhamos direito sob a tutela experimentada do Ti Zé. Era um sítio para rapazes. As raparigas passavam por ali coradas, suspeitando a falta de decoro. Recordo-me perfeitamente do riso picante e amigo do Ti Zé. A partir de certa altura, começaram a faltar-lhe as forças para puxar as cordas ensebadas, morreu-lhe no ultramar o filho militar, o neto casou e foi para longe e o Ti Zé ficou triste. Pouco tempo depois fechou a oficina e os nossos pais passaram a reparar os sapatos num centro comercial cheio de máquinas e a cheirar a novo. Mas, a reparação custa tão caro que, agora, deitam-se fora os sapatos velhos e compram-se outros que custam pouco e que duram ainda menos.Nos seus tempos áureos o Ti Zé não tinha dúvidas existenciais. Não se sentia todos os dias à prova, não devia demonstrar a sua competência ou eficácia. Ele era simplesmente bom. Trabalhava bem e barato, não tinha de comunicar a ninguém resultados semanais ou mensais ou trimestrais. Não tinha dúvidas sobre o seu próprio valor. Não precisava de fazer de conta que era simpático. Não se punha a discutir o significado da amizade, do perdão, da tolerância ou da generosidade. Tudo isso lhe saia espontâneamente, como respirar, rir ou comer. Era feliz como a felicidade pode ser simples. A vida era uma dádiva que não discutia, que apanhava no ar com a inocência de uma criança. Há cada vez menos Ti Zés e cada vez mais pessoas que se metem dentro de si próprias à procura de um sentido para as suas atormentadas existências, que se esforçam para ser bons cidadãos. Mas, talvez a “culpa” não seja só das pessoas, mas de uma sociedade que também mudou, que se modernizou no sentido das máquinas de reparar sapatos e de centros comerciais cheios de luz, a cheirar a plástico e a detergente"

"in Fantástico Melga"

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

"Dois tiros" na Democracia Timorense

“demonstram a insensatez da posição da Fretilin em não reconhecer a legitimidade e em persistir em declarar a inconstitucionalidade do Governo timorense”.

Pedro Bacelar de Vasconcelos

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Mensagem

(photo taken by sebastião salgado)

Pensamento do dia

A vida é assim: tão natural como os gestos.


distrito de Manatuto, east timor, 2007

(photo taken by c.s)

domingo, fevereiro 03, 2008

Pedaços de sentimento....

Como Um Sonho Acordado

Composição e Letra: Fausto

Como se a Terra corresse
Inteirinha atrás de mim
O medo ronda-me os sentidos
Por abaixo da minha pele
Ao esgueirar-se viscoso
Escorre pegajoso
E sai
Pelos meus poros
Pelos meus ais
Ele penetra-me nos ossos
Ao derramar-se sedento
Nas entranhas sinuosas
Entre as vísceras mordendo
Salta e espalha-se no ar
Vai e volta
Delirante
Tão delirante
É como um sonho acordado
Esse vulto besuntado
A revolver-se no lodo
A deslizar de uma larva
Emergindo lá no fundo
Tenho medo ó medo
Leva tudo é tudo teu
Mas deixa-me ir

Arrasta-me à côncava do fundo
Do grande lago da noite
Cruzando as grades de fogo
Entre o Céu e o Inferno
Até à boca escancarada
Esfaimada
Atrás de mim
Atrás de mim
É como um sonho acordado
Esses olhos no escuro
Das carpideiras viúvas
Pelo pai assassinado
Desventrado por seu filho
Que possuiu lascivo
A sua própria mãe
E sua amante

Meu amor quando eu morrer
Ó linda
Veste a mais garrida saia
Se eu vou morrer no mar alto
Ó linda
E eu quero ver-te na praia
Mas afasta-me essas vozes
Linda

Tens medo dos vivos
E dos mortos decepados
Pelos pés e pelas mãos
E p´lo pescoço e pelos peitos
Até ao fio do lombo
Como te tremem as carnes
Fernão Mendes

sexta-feira, fevereiro 01, 2008



... com Manuel Alegre

Ser ou não ser

Qualquer coisa está podre no Reino da Dinamarca.
Se os novos partem e ficam só os velhos
e se do sangue as mãos trazem a marca
se os fantasmas regressam e há homens de joelhos
qualquer coisa está podre no Reino da Dinamarca.

Apodreceu o sol dentro de nós
apodreceu o vento em nossos braços.
Porque há sombras na sombra dos teus passos
há silêncios de morte em cada voz.

Ofélia-Pátria jaz branca de amor.
Entre salgueiros passa flutuando.
E anda Hamlet em nós por ela perguntando
entre ser e não ser firmeza indecisão.

Até quando? Até quando?

Já de esperar se desespera. E o tempo foge
e mais do que a esperança leva o puro ardor.
Porque um só tempo é o nosso. E o tempo é hoje.
Ah se não ser é submissão ser é revolta.
Se a Dinamarca é para nós uma prisão
e Elsenor se tornou a capital da dor
ser é roubar à dor as próprias armas
e com elas vencer estes fantasmas
que andam à solta em Elsenor.

Manuel Alegre

Pedaços de papel...

com... Korpo....

Penumbra


Moribundos arrastam-se na calçada
contorcendo-se de dor....
Multidão passa por eles.....freneticamente....
perdem-se...lacinantes....os gritos de desespero
na insensibilidade de uma vida agitada.
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