terça-feira, novembro 07, 2006

Pedaços de papel...



... com Júlio Pomar

"No atelier faço e refaço — por vezes sem sequer me dar ao trabalho de desfazer. Não só para fazer melhor, mas também por necessidade de destruir, de remastigar uma dada experiência que não me matou a fome. Para investir, agredir, questionar, estar dentro do jogo, para encontrar a minha imagem na verónica que o instante, como um toureiro colhe. Não para viver em memória, mas para, fazendo, aguentar o presente.
Estaria eu a estender a minha pintura de uma ponta à outra da tela sem me interrogar?
O meu trabalho não consiste em acrescentar, dia após dia. Não segue um esquema pré-estabelecido, como o que serve para a construção de uma casa: as paredes depois das fundações, o tecto depois das paredes. O meu trabalho alimenta-se daquilo que despedaça. Depois de ter engolido os filhos, Saturno rói as unhas e depois o coto.
Procedo por destruições sucessivas. Rasuro. E estou em crer que a rasura dá o (não) sentido à frase, dá o nervo à forma, dá a vertigem ao espaço."

in Da cegueira dos pintores

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