Chegou a Lua Cheia... e posso dizer aquelas coisas
... com João Camilo
Retrato breve de J. B.
Só gostam de mim aqueles que não me conhecem. Julgam conhecer-me e dizem: gosto de ti. Mas porque eu sei que não me conhecem, eu sei que não gostam de mim. Aquilo ou aquele de que gostam não sou eu, não terá sequer nada a ver comigo esse de que dizem gosto. Eu mesmo já disse um dia que um corpo (e entenda-se aqui corpo num sentido amplo, não num sentido puramente físico) é espaço demasiado para conhecer. Do que deverá concluir-se que nem eu me conheço. Sei de mim coisas diferentes em tempos diferentes, existo talvez de modos tão diversos que em relação a mim são despropositadas as ideias que eu mesmo de mim vou fazendo — as ideias que faço daquilo ou daquele que vive em mim e eu tentei parar mas que se esvai, me foge, talvez porque é constante mudança, talvez porque não sou verdadeiramente mais do que movimento. E sendo certo isto, como me parece que é, como poderia não ser certo que só gostam de mim aqueles que não me conhecem ou, se se prefere, que aqueles que gostam de mim não gostam verdadeiramente de mim ou, ainda, que não é de mim verdadeiramente que gostam? E não digo nem disse que gostariam de mim se me conhecessem — é possível ou improvável, muito pouco ou nada, não sei, não importa, não se pode saber.
Mais fácil será falar daqueles que não gostam de mim. Não de todos, seria absurdo, não conheço todas as pessoas que não gostam de mim e raramente mesmo nos será possível saber de todas as pessoas que andam à nossa volta quais as que nos detestam e porquê. Que vos diria por exemplo das pessoas encontradas num autocarro, à entrada do cinema, num urinol, nas igrejas, e que logo no rosto se lhes lê a antipatia que sentem por nós, por termos esta cara estes olhos esta camisa este fato cinzento ou talvez apenas porque as meias que calçamos e que ficaram visíveis quando subíamos as escadas têm as cores que eles sempre detestaram, ou com as quais naquele momento eles embirraram, ou simplesmente porque essas cores estão combinadas de uma maneira que não lhes agradou, ou ainda porque fumamos a mesma marca de cigarro que eles? Desses creio que não poderia falar-vos, disse já tudo ou quase tudo sobre eles, não saberia que mais dizer-vos ainda que o quisesse. É de outros que quero falar, e falarei segundo a minha inspiração, a minha memória, com as palavras que puder escrever. Devo porém referir que quando penso em pessoas que não gostam de mim penso especialmente naqueles que alguma vez me deram a impressão de gostar ou de vir a gostar e que depois partiram, não sem ter dito não gosto de ti, não sem dizer já gostei de ti agora não gosto — ou sim, sem dizer, partindo apenas, indo, fugindo, desaparecendo às esquinas dos corredores, para dentro dos cafés, mudando para o outro lado da rua ou baixando só os olhos. É desses que creio que vou falar-vos. Porque como possibilidades que foram de alguma coisa não deixaram nunca de interessar-me, não desapareceram nunca totalmente de mim.
Retrato breve de J. B.
Só gostam de mim aqueles que não me conhecem. Julgam conhecer-me e dizem: gosto de ti. Mas porque eu sei que não me conhecem, eu sei que não gostam de mim. Aquilo ou aquele de que gostam não sou eu, não terá sequer nada a ver comigo esse de que dizem gosto. Eu mesmo já disse um dia que um corpo (e entenda-se aqui corpo num sentido amplo, não num sentido puramente físico) é espaço demasiado para conhecer. Do que deverá concluir-se que nem eu me conheço. Sei de mim coisas diferentes em tempos diferentes, existo talvez de modos tão diversos que em relação a mim são despropositadas as ideias que eu mesmo de mim vou fazendo — as ideias que faço daquilo ou daquele que vive em mim e eu tentei parar mas que se esvai, me foge, talvez porque é constante mudança, talvez porque não sou verdadeiramente mais do que movimento. E sendo certo isto, como me parece que é, como poderia não ser certo que só gostam de mim aqueles que não me conhecem ou, se se prefere, que aqueles que gostam de mim não gostam verdadeiramente de mim ou, ainda, que não é de mim verdadeiramente que gostam? E não digo nem disse que gostariam de mim se me conhecessem — é possível ou improvável, muito pouco ou nada, não sei, não importa, não se pode saber.
Mais fácil será falar daqueles que não gostam de mim. Não de todos, seria absurdo, não conheço todas as pessoas que não gostam de mim e raramente mesmo nos será possível saber de todas as pessoas que andam à nossa volta quais as que nos detestam e porquê. Que vos diria por exemplo das pessoas encontradas num autocarro, à entrada do cinema, num urinol, nas igrejas, e que logo no rosto se lhes lê a antipatia que sentem por nós, por termos esta cara estes olhos esta camisa este fato cinzento ou talvez apenas porque as meias que calçamos e que ficaram visíveis quando subíamos as escadas têm as cores que eles sempre detestaram, ou com as quais naquele momento eles embirraram, ou simplesmente porque essas cores estão combinadas de uma maneira que não lhes agradou, ou ainda porque fumamos a mesma marca de cigarro que eles? Desses creio que não poderia falar-vos, disse já tudo ou quase tudo sobre eles, não saberia que mais dizer-vos ainda que o quisesse. É de outros que quero falar, e falarei segundo a minha inspiração, a minha memória, com as palavras que puder escrever. Devo porém referir que quando penso em pessoas que não gostam de mim penso especialmente naqueles que alguma vez me deram a impressão de gostar ou de vir a gostar e que depois partiram, não sem ter dito não gosto de ti, não sem dizer já gostei de ti agora não gosto — ou sim, sem dizer, partindo apenas, indo, fugindo, desaparecendo às esquinas dos corredores, para dentro dos cafés, mudando para o outro lado da rua ou baixando só os olhos. É desses que creio que vou falar-vos. Porque como possibilidades que foram de alguma coisa não deixaram nunca de interessar-me, não desapareceram nunca totalmente de mim.
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